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Ricardo Guimarães - artista da palavra-imagem

por João Taboada22/10/2023

Ricardo Guimarães, designer formado pela UFBA, artista visual, escritor, músico autodidata, compositor, Dr. em Artes Visuais, Prof. pela UNIVASF e, como ele mesmo se define, um especialista em variedades. Baiano inquieto, Ricardo já lançou cinco livros de bolso, já expôs em outdoor e em busdoor, além de ter participado de exposições em galerias tradicionais. Na entrevista abaixo vamos conhecer melhor o trabalho desse bem-humorado soteropolitano da arte-palavra-som.


VA - Ricardo, fale um pouco sobre como você começou. A música te inspirou primeiro, as artes plásticas... as letras... Exercendo atividades tão diversificadas (mas que se conversam em algum momento) o que mais te encantou de início e o que te levou ao curso de Design Gráfico* na UFBA? 


RG – Acho que veio tudo junto. Desde criança, gostava de desenhar, criar histórias e, ouvindo muita música, comecei a tocar violão. Lembro de curtir muito a revista Mad, Recruta Zero e Asterix, e álbuns do Pink Floyd, Yes, Rick Wakeman, Deep Purple e depois, Hermeto, Milton, Gismonti, Pat Metheny, Baden Powell, Gil, Caetano e muito mais. Tinha identificação também com alguns seriados que assistia na TV, como Agente 86 e Túnel do Tempo. Acredito que em todos os casos, o que me capturava era a possibilidade de, com aquelas informações, poder fazer algo do meu jeito, utilizando o texto e imagem e, mais adiante, os sons, a princípio como algo divertido, sem maiores pretensões. 


O que me levou ao curso de Design Gráfico foi o desejo de adquirir mais conhecimentos para poder criar projetos com o uso da palavra e da imagem e suas combinações. Antes de entrar no curso de Design, havia desistido de continuar o curso de Jornalismo na UFBA e concluído o curso de Licenciatura em Artes Visuais (à época, Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas), pela UCSal.


VA - Quando eu lhe conheci, na Escola de Belas Artes (através do curso de Design pelos anos de 1990 e alguma coisa), você advinha do campo artístico - pintura para ser mais exato. Você desenvolvia um trabalho experimental com pintura em madeiras. Um trabalho que eu sempre considerei muito bom. Isso rendeu exposições? 


RG – Sim. Fiz algumas exposições e também trabalhos para clientes em suas portas, janelas, armários etc. Usava lápis de cor sobre madeira em pequenos e grandes formatos. Às vezes aproveitava os veios da madeira para criação dos desenhos/pinturas.


VA – Como a ideia de brincar com palavra+design surgiu para você? Pergunto porque, pela experiência que tenho com designers, a maior parte não tem muita afinidade com a parte textual do trabalho. Não falo em tipografia, mas em conteúdo. Contudo, nossa profissão nos obriga a ter contato direto com texto (mesmo que em pequenas quantidades) porque na área de programação visual é quase impossível haver um trabalho que não tenha nada escrito. No seu caso, como rolou essa afinidade a ponto do você querer brincar não apenas com a forma do texto mas com a mensagem? 


RG – Entendo que, com o uso de outros elementos visuais e pela relação com o ambiente que ocupa, seja num impresso ou no espaço da rua, as palavras podem se ampliar em seus significados. Acredito que o que fazemos atuando como designers é lidar continuamente com isso, com o dizível, o simbólico, a compreensão dos contextos, a possibilidade de encontros, da comunicação com as pessoas, da busca de soluções com o uso desses recursos para questões apresentadas, com a devida atenção para a dimensão sensível, aquela que nos captura sem refletirmos muito.


VA - Você já lançou cinco bem humorados livros que trocadilham, filosofam e instigam a uma reflexão com textos simples, às vezes diretos, outras vezes nada óbvios. De onde surge a inspiração para aquelas ideias e frases? 


RG – Surge de tudo o que me inquieta. A temática é completamente livre. Escrevo sobre o tempo, a vida e morte, futebol, política, religião, relações humanas, sobre o cotidiano, a cidade, a linguagem. Já me disseram que o que faço são crônicas com cinco ou dez palavras. Compor uma música, desenhar ou pintar, ou escrever, segue um processo similar. Em geral, vem por uma busca de encontrar uma forma que faça sentido para mim e que assim, possa chegar, talvez, bem para outras pessoas.


Escrever pouco, às vezes, dá até mais trabalho. Com as criações, vivo, de certa maneira, na ilusão de encontrar “aquela” palavra, “aquele” acorde, “aquele” símbolo, “aquela” combinação, na esperança que assim, consiga estabelecer um contato próximo com as pessoas, pela via de pensamentos críticos e humorados sobre as coisas da vida contemporânea. Para mim, o ritmo e a relação tempo-espaço têm uma importância fundamental, seja com as palavras, as imagens ou os sons, ou nas suas interseções.


VA - Entre 2013 e 2014 você lançou a exposição móvel "Expondo em Busdoor: Palavra-imagem em movimento", em que vários painéis horizontais eram expostos nas traseiras dos ônibus (busdoor). Qual era o objetivo e qual o retorno disso? 


RG – O “Expondo em Busdoor: palavra-imagem em movimento” foi um desdobramento do “Expondo em Outdoor”, contemplado pelo Edital Matilde Matos em 2009 e realizado em 2010 e 2011. Neste, dez poesias visuais, que hoje identifico como palavraimagens, foram expostas em sequência, uma a cada semana em um mesmo outdoor no Rio Vermelho. Uma exposição em capítulos, ocupando um espaço dominado pela publicidade com os mecanismos para nos convencer ao consumo de bens ou serviços.


Nas primeiras semanas, a impressão que seriam teasers de campanhas que viriam explicitadas nas semanas seguintes e, com o tempo, a percepção pelo público, do caráter com intenções poéticas das peças. Em 2010, havia também finalizado o Mestrado em Artes Visuais com a dissertação “Ímã: apalavrando imagens, imaginando palavras”.


No “Expondo em Busdoor: palavra-imagem em movimento”, oito criações circulavam pela cidade nos fundos dos ônibus de 40 linhas distintas. Exposição itinerante conduzida por motoristas de ônibus por Salvador e Região Metropolitana, com o objetivo de buscar uma aproximação maior com mais pessoas pelas ruas da cidade, muito além do que temos habitualmente nas galerias de arte e espaços culturais similares.


VA – Hoje você ensina Licenciatura em Artes Visuais na Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco). Você se percebe, atualmente, mais como profissional de design ou professor de Artes? Há algo melhor em cada atividade (salário, benefícios, ambiente de trabalho, etc). 


RG – Tenho ocupado a maior parte do tempo como professor de artes e suas inúmeras demandas. Na época em que comecei a fazer profissionalmente trabalhos como designer, mesmo sem ainda ter finalizado o curso, trabalhava com música, tocando em bares, teatros e em outros locais e dando aulas na Escola na AMA uma importante escola de música da época, percebi que, para o que fazia, criar imagens era bem mais rentável que produzir sons.


Fui percebendo também que tudo que refletia sobre todos esses saberes e práticas, era do interesse de outras pessoas e conduzi meus caminhos profissionais atrelados à educação. Fui educador em Ongs (Liceu de Artes e Ofícios, TV Pelourinho, Cipó-Comunicação Interativa, Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia) e professor do ensino básico e superior, privado e público e, em paralelo, segui desenvolvendo projetos gráficos e de sinalização e também com incursões como artista visual. Após um bom tempo como professor substituto na UFBA, ingressei na Univasf onde estou desde 2013.


VA – Como você percebe, sob uma ótica atual, o curso de design da UFBA no período em que era aluno na década de 1990? O que você consegue identificar que existe hoje e que faltava à época? 


RG – Acredito que hoje o curso de design traz uma perspectiva e um olhar bem mais ampliados. Quando cursei, além de outras limitações, era mais específico para o design gráfico. Vale lembrar que, quando entrei no curso, praticamente não haviam publicações nacionais sobre design, exceto, as tradicionais sobre produção gráfica. Lembro que aguardávamos os lançamentos dos livros das editoras 2AB e a Rosari que traziam novas possibilidades de conhecimento e reflexões sobre diversos aspectos do design. Pude perceber e, de alguma forma contribuir também, para o processo de mudança e avanços, atuando como professor no próprio curso.


VA – Lembro que na década de 1990 com o advento de softwares gráficos e a internet, tinha-se a ideia de que qualquer pessoa poderia “se tornar” um designer (e isso para o designer formado era um absurdo), o que de certa forma “aconteceu”. Na verdade, muita gente se achava designer, sem ser. Mas isso, com o tempo, se reamoldou. Depois vieram Google images e sites de freebies (que eram coisas gratuitas prontas que ficavam disponíveis para qualquer um baixar). Como você vê a entrada de outras novas tecnologias em nossa vida profissional? Apps online de tratamento de imagem, diagramadores de documentos online, construtores de sites gratuitos, inteligência artificial**, etc? O designer deve ter receio disso tudo? 


RG – Acredito que a percepção da realidade está mudando a cada instante. São muitos desafios para a compreensão das novidades em grande velocidade e, ao mesmo tempo, muitas preocupações quando estão envolvidos os aspectos sociais e éticos, os usos para falsificações etc. Como recurso de otimização para mais possibilidades criativas, um encantamento.
Junto a isso tudo, muitas reflexões para o entendimento de como funcionamos, como criamos, o que nos faz humanos, nossa condição analógica de ser com o que há de digital pelo muito que nos cerca.


VA – Você destacaria algum(ns) trabalho(s) seu(s) na área de Design que teve(tiveram) mais expressão ou de que mais gostou? 


RG – Gosto do projeto de ilustrações de ambientações de espaços para crianças, do Projeto de Sinalização do Cemitério Parque Bosque da Paz (junto com o designer João Taboada) e do Projeto Visual para o Música em Hospitais.


VA - Você tem alguma percepção particular em relação ao futuro do Design? 


RG – Não. Risos.


VA - O Ricardo músico hoje ainda atua? Qual o impacto que o trabalho com música tem ainda na sua vida? O conhecimento sobre design ajuda na publicidade desse trabalho? 


RG – Acho que quanto mais experiências você vai tendo em sua vida, esses saberes vão se acumulando. Ter subido em um palco “quinhentas” vezes, mesmo com um violão à frente, me ajuda a mediar uma turma de alunos ou uma grande plateia.


Também a noção de que existem conquistas a médio e longo prazo, advindas de uma prática diária quase contínua e persistente. Defendo e acredito que meu papel é estimular e potencializar o que cada um tem em si, como indivíduo, com sua riqueza particular, pensando como podemos lidar no coletivo com essa condição maravilhosamente humana de sermos únicos. Acredito, mas talvez seja uma utopia, que temos, mesmo em pequena parcela, algo único, não algoritmizado.


VA - Independentemente do fato de ser professor, como Ricardo Guimarães se enxerga mais hoje (ou seja, em que condição você se sentiria mais realizado)? Como músico, artista, designer... 


RG – Um pouquinho de cada, mas essencialmente alguém que precisa viver esses atos e processos criativos e se interessa em continuar aprendendo e experimentando, utilizando o texto escrito, as imagens e os sons. Acho que minha virtude é que quando faço música (não me considero músico***), está em mim o artista visual, o professor e o escritor. Quando escrevo está em mim, também, o tocador e o compositor. Após publicar cinco livros, já me sinto um pouco escritor (risos). 


Quando desenvolvo um projeto no campo do design, todas essas experiências só ajudam. Entendo que o repertório de vida e o, especificamente cultural, são muito importantes em nossa atuação.


VA - Alguma mensagem para a nova turma de design (e atividades afins) que está chegando no mercado?
RG – Que tente exercer o que faz com seriedade, prazer e sorrisos, com responsabilidade sobre seu papel, respeitando a si mesmo, em seus limites e possibilidades e a todas as pessoas que possam ser afetadas positivamente com o que produz. O aprendizado é contínuo e para a vida toda. Humildade não faz mal, mesmo para quem é “fera”, como esse jovem experiente designer/artista/músico que me entrevistou aqui, e que tem bastante todas essas qualidades.


* - Nome do curso à época: Desenho Industrial com habilitação em Programação Visual.
** - Aplicativos online como Canva, ChatGPT, Wix, RemoveBG, Freepik, etc.
*** - Nota do entrevistador: eu o considero um músico muito bom.


∇......



Conheça mais sobre Ricardo Guimarães abaixo:


Instagram: @ricardo.guimaraes.1428 
Dissertação: “Ímã: apalavrando imagens, imaginando palavras”, 2010.  
Tese: “Palavraimagem na rua: criações visuais no cotidiano” 2021 

















































O designer, artista visual, escritor, músico, compositor e professor, numa entrevista densa e educativa, fala sobre o prazer e as particularidades de ser tudo isso ao mesmo tempo.

http://www.visuarea.com.br/entrevistas/ricardo-guimaraes-artista-da-palavra-imagem
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Palavras chave: Ricardo Guimarães, palavra-imagem, expondo busdoor, artes visuais



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