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Pedro Arcanjo - MAB

por João Taboada22/09/2019

Pedro Arcanjo é sociólogo, fotógrafo e mestre em artes visuais pela UFBA. Nascido em Maragojipe-Ba, foi o criador da Bienal do Recôncavo e, atualmente, é o diretor do Museu de Arte da Bahia, o MAB - e o responsável pela sua revitalização desde que assumiu, em 2015, sua gestão. 


VA – Fale um pouco sobre sua origem e formação profissional. 
PA – Sou de Maragogipe, do Recôncavo Baiano, onde se deu o ciclo da cana de açúcar, o mais longo da economia colonial portuguesa no Brasil e que se realizou com o trabalho do povo de origem africana aqui escravizado. Tenho graduação em Sociologia, mestrado em História da Arte e também trabalho com fotografia e curadoria. 


VA – Como aconteceu sua chegada ao MAB? 
PA – Eu havia implantado projetos culturais na Fundação Dannemann, quando fui diretor da instituição: o Festival de Filarmônica e a Bienal do Recôncavo. A Bienal teve 12 edições e revelou uma nova geração de artistas, contribuindo de uma maneira mais sistemática para que a Bahia dialogasse com o contemporâneo, e possibilitou o surgimento de artistas como Marepe, Iêda Oliveira, Virgínia Medeiros, Fábio Magalhães, Pedro Mariguela, Suzart, Nen de Valença, Nelon Magalhães, Zé de Rocha etc. Com a troca dos herdeiros da Dannemann, os novos herdeiros não deram continuidade aos projetos culturais da Fundação, assim, a Bienal e o Festival foram interrompidos e eu, então, fui convidado para dirigir o Museu de Arte da Bahia.


VA – Você, além de sociólogo, é curador e fotógrafo. Exercer estas atividades interfere diretamente em sua gestão do museu? Complementa em termos de know-how? 
PA – O fato de ter um envolvimento com a própria produção artística, de certa forma, estimula a gestão. A inquietação artística contribui nos momentos difíceis de decisão na gestão cultural do museu, mas é claro que não é um botãozinho que você liga e desliga a parte do gestor. Quem trabalha com criação, com gestão, precisa estar prestando atenção, senão o gestor vai tomando o lugar do artista. 


VA - O MAB é o museu baiano mais antigo e completou 100 anos em 2018. No decorrer de sua existência mudou de nome, teve sede em alguns lugares diferentes, manteve-se fechado por sete anos e fixou-se, definitivamente, no Palácio da Vitória, no Corredor da Vitória (Salvador-Ba). Depois de uma história tão inconstante, esse centenário trouxe alguma significação especial para a sociedade baiana?
PA – Acredito que na América Latina, no Brasil, na Bahia, que são regiões novas no sentido da museologia, ter um museu que completa 100 anos é significativo. Mas eu acredito que o mais importante do centenário é que o MAB é um museu que chega a 100 anos e consegue responder as questões que são colocadas pelo contemporâneo. Um museu que tem conseguido falar com a cidade, que não perdeu sua característica histórica, apesar de estar dialogando com as questões que são colocadas pelo momento atual e se tornando um museu vivo como a história deve ser. 


VA – A cultura e a arte contemporâneas como quebradores de paradigmas têm suscitado reflexões, revisão de valores e uma consequente contribuição na inclusão social de grupos menos favorecidos. Na entrevista à TVE (em 2018), com Denny Fingergut, você disse que, além de artista e pensador, se considera um “intransigente e incansável” no que diz respeito ao combate às desigualdades sociais. Este seria um dos focos atuais do museu? Contribuir para dirimir estas desigualdades?
PA – Não acredito em nenhum projeto contemporâneo que deixe de levar em consideração a desigualdade social. Esta deve ser um eixo que oriente o contemporâneo, compreendendo o contemporâneo como um estado elevado de desenvolvimento na consciência da natureza humana. Não pode existir contemporaneidade com a desigualdade social. A Organização das Nações Unidas para alimentação e agricultura diz que a agricultura mundial possui a capacidade de alimentar 12 bilhões de pessoas, ou seja, quase o dobro da humanidade (que está em 7,7 bilhões). Não há fatalidade, a fome existe porque, segundo a OXFAM, os 36 indivíduos mais ricos do mundo possuem uma renda igual a das 4,7 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade. Para manter esse estado de insanidade, o capital se reinventa e busca culpados. Na Europa culpam os imigrantes, em países como o Brasil tentam culpar o Comunismo, e atacam as formas de convivências humanitárias, atacando a inclusão social, a diversidade, o livre pensar. Não podemos tratar essas questões com neutralidade axiológica, como queria Weber. A desigualdade social é, essencialmente, conservadora, cruel e injusta. Com desigualdade social não há contemporaneidade. 


VA - Você tem investido numa nova forma de apresentar o Museu de Arte da Bahia à sociedade, fugindo do perfil tradicional (que é mais ligado à memória), promovendo palestras e eventos diversos. Isto não o descaracteriza de alguma forma? 
PA – Esse é o desafio maior: enfrentar essas questões que são colocadas pela sociedade atual e não perder a característica de um museu histórico. É claro que a aristocracia escravocrata baiana, que tem sua reminiscência na Santa Inquisição, que chegou aqui cheia de preconceitos e traumas, até hoje reage. Então, nós encontramos reação de que o MAB não combina com pautas quilombolas, que o museu não é um lugar para se realizar discussões políticas, essas coisas que a aristocracia, feito um camaleão, vai se adaptando a cada momento e reagindo. É uma reação esperada. Esperava até que essa reação fosse maior, mas o que nós precisamos pensar é o seguinte: o espetáculo maior de uma sociedade de classe é o espetáculo do movimento das classes. É o movimento das classes sociais que vai determinar o desenvolvimento dessa sociedade em determinados momentos históricos, e o museu não está fora da sociedade. O museu é um aparelho que pertence à sociedade, ele está dentro da sociedade, não é um apêndice. Então, esse movimento das classes vai interferir no museu, quer se queira ou não, pois não existe neutralidade axiológica. São poucas as pessoas que falam que o museu deve ser um espaço neutro, porque no mundo inteiro já não se trabalha assim, com essa neutralidade hipócrita. As pessoas que insistem que o museu não deve ter esse tipo de postura e quer que o museu seja “neutro”, estão fazendo a política da classe social hegemônica, estão compactuando com o sistema de ódio que vem se instalando no país. Nós entendemos aqui no MAB que quando se diz “não é para fazer política”, estão dizendo que é para se fazer a política das classes dominantes, é para apoiar o grupo que está no poder, porque não existe essa neutralidade. Em uma sociedade como a sociedade baiana, com um protagonismo desse dos descendentes africanos, nós não podemos aceitar que venham dizer que pautas quilombolas não combinam com o MAB, porque os negros têm um protagonismo na construção da cidadania baiana. É um direito que os negros tem, não é tolerância. “Há que ser tolerante com os negros, mas...”, não! A gente tolera o amigo bêbado, o amigo que está festejando o aniversário do filho, da filha que passou no vestibular ou que está se formando, o cara que geralmente não bebe e, quando bebe, fica lhe abraçando, falando bobagem no seu ouvido e você tolera, porque é o seu amigo que está festejando uma coisa importante para ele. Mas com o povo negro não é tolerar, é reconhecer o protagonismo negro. Qualquer instituição que queira falar com o contemporâneo hoje, na cidade do Salvador, não pode desconhecer esse protagonismo. 


VA – Ainda dentro deste assunto, já tive a oportunidade de presenciar eventos como recitais de violão, peças de teatro e apresentações multimídia, além das exposições tradicionais do museu. Estes eventos me parecem excelentes alternativas à cultura de massas fomentada pela mídia tradicional. Como o público tem reagido a isso?
PA – Nós não estamos sozinhos nesta questão. Rob Baker, diretor da Tate Modern, já falou da necessidade de “tirar a gravata do museu”, de abrir o museu para outras linguagens, outras poéticas. Parece que estamos inventando a roda, mas uma coisa já é reconhecida. O museu precisa deixar de ser um lugar apenas para especialistas, para pequenos grupos, e se tornar um espaço maior, um espaço que vá falar com seu entorno, que responda às questões que são colocadas pela sociedade, e a sociedade tem reivindicado muito essa questão da música no museu, da dança, da performance, do lançamento de livros. É uma característica, hoje, de todos os museus maiores, como o próprio Louvre e o Museu d'Orsay, que têm feito atividades nesse sentido com uma grande participação das pessoas. 


VA – Teve algum evento ou exposição realizado no MAB que foi particularmente importante, que tenha se destacado de forma significativa? 
PA – Nós tivemos uma palestra com Leonardo Boff que foi importante. Teve outra com Juca Ferreira, quando ele era ministro, naquele momento do impeachment da Presidente Dilma, em que nós discutimos o projeto cultural que o Ministério da Cultura tinha para a sociedade brasileira. A exposição “A Pintura no Acervo do MAB”, durante as celebrações do Centenário do Museu, também foi importante porque nós estamos querendo justamente chamar mais atenção para a pintura dentro do acervo do museu, isso sem desmerecer as outras coleções, é claro. 


VA – O fato de termos elegido um governo de natureza conservadora pode trazer algum tipo de interferência nas atividades do museu?
PA – Claro, é um movimento das classes conservadoras brasileiras e, como nós havíamos falado, o museu está dentro da sociedade. Esses movimentos últimos dos setores conservadores interferem na política e na gestão do museu, mas nós não abaixamos as nossas cabeças, nós enfrentamos as discussões de frente, criamos um projeto chamado “Diálogos Contemporâneos”, onde nós discutimos todos os aspectos que foram colocados para o impeachment de Dilma Rousseff e, depois, todas as posições que o Temer assumiu com relação à sociedade brasileira. Agora, estamos discutindo as questões de Bolsonaro e as alternativas a ele e, em nosso entendimento, a contemporaneidade passa por aí. 


VA - Quais os projetos futuros para o MAB?
PA – Temos dois aprovados pela Lei Rouanet, que são o projeto de requalificação do acervo do MAB, onde nós iremos dar um protagonismo maior para a coleção de pintura, reconhecendo a importância das outras coleções, as quais contribuem para um diálogo e uma relação das diferentes coleções existentes no acervo do museu; temos outro projeto que é para um novo catálogo do MAB, que deve ter a finalidade de representar essa nova configuração do acervo, que nós estamos tentando desenvolver aqui no museu. Esses dois projetos, já aprovados pela Lei Rouanet, estão em fase de captação de recursos. Também há um projeto de requalificação da biblioteca com uma área de internet livre, criação de um café/restaurante no museu, enfim, há uma maneira científica de pensar e gerir o museu. Talvez não tenhamos tido a felicidade de gerir o museu em um momento menos constrangedor para a arte e para a cultura brasileiras. Estamos enfrentando um momento muito difícil, as classes dominantes são abertamente contrárias à arte e aos artistas, há uma reação generalizada dos segmentos conservadores com relação ao apoio cultural do ponto de vista oficial, mas nós estamos desenvolvendo os projetos, nós não vamos abrir mão dos projetos de requalificação do conceito da exposição permanente, nem da biblioteca, como nós tínhamos falado. A requalificação do acervo, a criação de espaço interativo e a publicação do novo catálogo são projetos que irão apresentar à cidade um outro museu, um museu também estruturalmente atualizado. 


VA – Lembro de minha época de faculdade (Escola de Belas Artes - UFBA), no alvoroço que era quando se falava na Bienal do Recôncavo. A participação no evento era muito concorrida e acabou por revelar artistas como o vanguardista Marepe. A bienal acabou? Você pretende retomá-la?
PA – O projeto da Bienal, a marca da Bienal, pertence a uma fundação que nós criamos e que ficou sob a minha responsabilidade, a Face da Terra. Então, a Bienal do Recôncavo pertence à Face da Terra e se não tivesse ocorrido o impeachment da Presidente Dilma, a Bienal já teria sido retomada, porque o ministro Juca Ferreira tinha todo interesse, e o projeto de retomada da Bienal estava na mesa do ministro. Houve esse Golpe que interferiu em tudo, interferiu numa ação que estava acontecendo lá no Recôncavo, no fundo da Bahia de Todos os Santos, então a Bienal foi prejudicada. Mas há um sério interesse em retomar a Bienal, há duas empresas que atuam no Recôncavo que estão interessadas no projeto da Bienal. 


VA – Voltando à questão pessoal, você já expôs seus trabalhos no Brasil e no exterior. O foco de seu trabalho também é a questão social? Onde podemos encontrá-lo? 
PA – Eu tinha um site, que ficou sem manutenção, nós tiramos do ar e estou pensando em retomá-lo. É o pedroarcanjo.com.br. Meu foco é a questão social, sempre. 


VA – Você quer deixar algum recado para o público? 
PA – Queria dizer que estamos em um momento difícil da sociedade brasileira. É um momento crucial para as novas gerações, para o novo momento político do país, mas acredito que a história não parou, a história tem um desenvolvimento dinâmico e esse manto de mediocridade que insiste em tomar o país terá dificuldade de se legitimar, porque a sociedade brasileira é constituída por um tecido social muito heterogêneo. Foram vários os povos e etnias que contribuíram com a formação do ser brasileiro e este tecido multiplural reagirá sempre a esse sentimento de ódio e de pensamento único que ameaça tomar o país. 


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Acesse aqui o Facebook do MAB: facebook.com/museudeartedabahia/ 

Abaixo, fotos da exposição "O momento histórico que nos contêm", de Pedro Archanjo, realizada em 2017, no Rio de Janeiro. Esta exposição traz uma provocação cujo objetivo é testar se o receptor consegue descobrir qual a pessoa real entre as diversas fotos de manequins. 
Todas as fotos desta entrevista foram gentilmente cedidas pela Ascom-MAB. 


















Sociólogo, fotógrafo e mestre em artes visuais fala sobre sua atuação como Diretor do Museu de Arte da Bahia (MAB)

http://www.visuarea.com.br/entrevistas/pedro-arcanjo-mab
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Palavras chave: Pedro Arcanjo - MAB, Pedro Arcanjo - Museu de Arte da Bahia, Museu de Arte da Bahia (MAB)



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