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Softwares não são designers

por João Taboada13/10/20141
Lembro quando ainda estudava na Faculdade, no curso de Desenho Industrial (Programação Visual - EBA/UFBA) e um colega me veio dizendo que estava chegando um programa de computador "bala!" ao Brasil. O ano era 1994 - naquela época, computador pessoal ainda não era uma coisa muito popular e a internet doméstica estava prestes a nascer. Eu não me interessava por computadores, principalmente porque o aplicativo gráfico mais "incrível" que existia era o Paintbrush (posteriormente, Paint) que vinha com o Windows. Normalmente, o que a gente fazia com a mão utilizando guache, hidrocor, régua, lápis e curva francesa saía melhor do que os desenhos feitos neste software, bem diferente, aliás, do programa que meu citado colega se referia - o CorelDraw - aplicativo vetorial que chegava atrasado, na sua versão 4. O Photoshop - se não me engano, na sua versão 4, também - chegou depois.  O nível de trabalho que eles já permitiam, na época, me fez repensar minha resistência a computadores mas eu só fui me interessar de fato por estes programas com um pouco de atraso. 

O curso de Design da UFBA iniciou em 1991, e eu, entrei um ano depois, na segunda turma. As faixas etárias eram muito variadas, indo dos 18 aos 60, aproximadamente. Os computadores, neste tempo, faziam pouco pela gente no que dizia respeito à área gráfica, mas as empresas já tinham computadores e os usuários domésticos começavam a ter os seus. A partir daí, a evolução da informática foi rápida até culminar com o que temos hoje. Aliás, as máquinas (e a tecnologia de forma geral) evoluíram tanto e de forma tão surpreendente que, cada vez mais os computadores se aproximaram dos humanos se tornando ferramentas naturais do nosso dia-a-dia, e em diversas apresentações físicas como desktops, notebooks, tablets, smartphones, etc. Hoje, não temos como ter resistência a eles e, na verdade, às vezes, nem percebemos o quanto estão próximos. 

Mas houve uma época em que os computadores não existiam (sim, eles não existiam, mas nós, incrivelmente, conseguíamos fazer coisas sem eles - e muitas coisas!). Nesta época, as pessoas não passavam mensagens eletrônicas, não se comunicavam em bate-papos, não sabiam o que acontecia no outro lado do mundo e faziam seus trabalhos de ilustração e design à mão (inimaginável, não?!). Nesta época valia a capacidade do designer, de criar, e também, de executar seus trabalhos (o que acontecia de forma mais artesanal - pelo menos, para leiaute) se utilizando de diversas técnicas, incluindo as que eu citei lá em cima. Não existia, portanto, Windows, Mac, Linux, CorelDraw, Photoshop, Illustrator, Indesign, Flash, editores web, Maya 3D, JQuery, AJAX e todos esses recursos que temos hoje (às vezes, sem pagar um centavo). A pirataria, inclusive, se restringia aos navios e mares, não sendo ainda, um hábito terrestre como se tornou atualmente. 

O Design, este já existia há bastante tempo. Na verdade, alguns historiadores defendem que ele já dava seus primeiros sinais de vida antes da invenção da escrita, na forma de arte informativa/documental. Imagine então, o quanto caminhou até chegar à era da informática, que, aliás, trouxe um grande acréscimo para nossa área, não só em termos de recursos, como, também, na questão do acesso à informação, que antes se resumia a livros e televisão e, hoje, passou a tornar tudo mais popular e instantâneo através da internet. Isto tornou o conhecimento sobre Design mais concreto e mais maduro, pois passamos a ter mais informação e exemplos do que estava sendo feito no mundo.  

Pois bem, o computador, com todas as suas possibilidades, chegou para nunca mais sair de nossas vidas, e, com ele, seus softwares que, hoje, são imprescindíveis na profissão do designer. Tão imprescindíveis que, às vezes, somos confundidos com "um cara que sabe bem computador", volta e meia sites de informática divulgam empregos de nossa área e, algumas pessoas juram que, basta tomar um curso de software para virar um "Desing" de sucesso.  

A despeito de todo esse acesso à informação (não só de Design), existe, incrivelmente, por uma parte das pessoas, a noção de que o designer é mais profissional quando utiliza determinada marca de software. Na verdade, até as versões dos programas entram em discussão. É como se sua capacidade fosse determinada pelas possibilidades ou recursos que o programa oferece naquele momento. O Design, oficialmente, já nos acompanha há alguns séculos, inclusive, na época em que nem se imaginava que os computadores pudessem existir. Neste período, diversos trabalhos de qualidade, e até arrojados para sua época, foram desenvolvidos (e sem ctrl+z). E tanta qualidade tiveram, que, até hoje, servem de referência para trabalhos de novos designers que os tomam como base para desenvolver novos leiautes, utilizam imagens prontas de época ou, simplesmente, os copiam. Mas, apesar da qualidade destes trabalhos, até a década de 1980 o designer tinha à mão outros recursos para finalizar suas ideias, que, com certeza, não eram o computador.  

Com a era digital, o valor de muita coisa, em pouco tempo, se tornou questão de referência. O que é bom hoje pode não ser tão bom amanhã e pode até ser considerado ruim depois. Trabalhos que aparentam bons quando criados, depois de uns anos, podem parecer obsoletos, assim como máquinas e programas de computador. Mas, o que não parece fazer sentido é discriminar softwares apenas pelo fato de terem "bugs" (praticamente todos tem) e não terem os recursos que nós gostaríamos que tivessem. De fato, os computadores, cada vez mais, se tornam mais amigáveis, mas isto não quer dizer que eles devam fazer tudo da forma como a gente quer ou precisa. Nós humanos, que somos bastante inteligentes (acredito eu) é que devemos tentar compreender as limitações das máquinas e softwares e trabalhar dentro das condições que eles permitem. E não devemos atrelar a qualidade de nosso trabalho às suas supostas deficiências.  

Por tudo isto, não faz sentido comparar profissionais pelos programas e computadores que utilizam. As limitações das máquinas não podem determinar nossas limitações, mas, pelo contrário, nós é que devemos ter a capacidade de superá-las com nossa criatividade e habilidades pessoais. Lembro, há alguns anos atrás, quando fui visitar um amigo músico que gravava seus discos profissionalmente no PC (Personal Computer). Ele me contou que, certa vez um produtor muito conhecido aqui na Bahia chegou na casa dele, ouviu suas músicas gravadas e falou: "Cara, você não tem nada e consegue tudo!!!". Me contou dando risada pois, o equipamento dele, realmente deixava a desejar. De fato, às vezes não temos recursos ou utilizamos softwares inadequados ou deficientes, mas, conseguimos produzir trabalhos que não deixam essas deficiências transparecer. Isto é mérito. 

Será que um leigo com uma máquina fotográfica maravilhosa, um designer sem conhecimento em HTML operando o Dreamweaver ou um iniciante em arte utilizando pincéis importados desempenhariam bem suas atividades? Por melhor que possam ser nossos recursos, se não temos conhecimento de nossa área nem do equipamento, dificilmente obteremos bons resultados. Mas com recursos razoáveis e uma boa dose de conhecimento, criatividade e habilidade, poderemos fazer coisas formidáveis. Isto também é mérito.  

Enfim, quem discrimina profissionais apenas pelos sistemas operacionais, softwares ou recursos que utilizam atesta sua própria falta de capacidade. É como dizer que se aquele programa considerado maravilhoso (às vezes, pirateado) não existisse, não existiria também seu trabalho. Para nossa sorte, quando não existiam softwares, os profissionais mais "antigos", ao invés de se prender a disputas tacanhas, se viravam para conseguir criar e tornar realidade as coisas incríveis que fizeram a história da arte e do Design e, que hoje, nos servem de referência.  

Profissionais bons superam limitações e surpreendem. Profissionais ruins, simplesmente reclamam.   

Abaixo, o trabalho de artistas/designers (dentre tantos outros) que foram/são conhecidos pelo seu talento, e não, pelo uso do computador:

Keira Rathbone com sua máquina datilográfica, James Mylne e Samuel Silva com suas canetas esferográficas, o genial MC Escher com suas figuras impossíveis, H. R. Giger com suas figuras fantásticas, Fenwick Lansdowne e John James Audubon com seus pássaros, Mestre Aleijadinho com suas esculturas, Oscar Niemeyer com sua arquitetura e esculturas, Sérgio Pininfarina com seus carros clássicos e o grande Roger Dean com suas capas para a superbanda Yes.

Design não se resume a computador, vem antes dele e vai além dele. Softwares não podem determinar o valor de um profissional mas alguns acham que sim.

http://www.visuarea.com.br/artigos/softwares-nao-sao-designers
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Palavras chave: software não é designer, design feito à mão, design e computador



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1 | 29/11/2014 |  Josias Almeida Jr.
Pois é, rapá. E isso já vem desde antes da velha piada que dizia que quem matou PC Farias foi Macintosh. E o fato de determinadas escolas/disciplinas direcionarem o aprendizado da garotada a essa ou aquela ferramenta, atendendo sabe-se lá a quais critérios, ajuda a perpetuar essa presepada. "Ah, eu aprendi a fazer isso no Catapum KCT 4.0, que é muito melhor que o programa que você usa. Se atualize".

Pfff...