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Audubon e Lansdowne - Os pássaros dos dois James

por João Taboada20/02/20240

Na década de 1980 descobri em casa uma coleção de revistinhas chamadas Seleções do Reader's Digest, que eram de minha mãe e que traziam reportagens, contos e matérias, dentre coisas diversas. A "Seleções" é um pouco maior que uma revista de bolso e é produzida até hoje e distribuída, segundo a Wikipedia, em uns 120 países. Nestas revistas, além das historinhas (que eram muito interessantes), eu via desenhos e propagandas ilustradas - e aqueles conjunto todos de formas e cores me fascinava. 


Naquela época eu já desenhava. Desenhava e pintava animais, para ser mais exato, e, em especial, aves, que era meu tema preferido. Sim, ao contrário de outros desenhistas e pintores, eu não tinha nenhum grande interesse artístico pela figura humana. Anos depois, quando me dei conta disso, passei a me achar meio anormal, mas o fato é que animais me encantavam mais. 


Folheando um daqueles fascículos, me deparei, certa vez, com uma ilustração de dois pássaros que não conhecia: eram dois gaios azuis, conforme especificava a revista. Percebi que havia mais pinturas nas outras páginas e todas, tecnicamente, muito bem resolvidas. Adorei aquilo. Seu autor John James Audubon, até então, me era um ilustre desconhecido e aquela revistinha era a única fonte de informação que eu tinha sobre ele. Não havia internet ainda e tudo o que tinha lido, anos depois, esqueci. Recordava apenas das imagens e de seu nome e só fui poder me informar sobre ele de novo com a chegada da web. Agora, uso essa mesma web para trazer um pouco da história deste "controverso" artista da natureza para você. 



John James Audubon 



John James Audubon nasceu Jean-Jacques Fougère Audubon, na República Dominicana, em 1785, fruto de um romance de seu pai, o capitão Jean Audubon, da Marinha Francesa, e de sua amante Jeanne Rabin (que faleceu pouco depois de seu nascimento). Foi levado para a França aos quatro anos de idade e lá viveu até 1805, tendo sido criado pela mulher legítima de seu pai até a maioridade. Então, com 18 anos - e com a ajuda de um passaporte falso conseguido por seu progenitor (e já com o nome que viria a se tornar conhecido) -, vem para a América, mais precisamente para Mill Groove (Estados Unidos) para fugir do ingresso nas forças armadas de Napoleão Bonaparte. 


Nesta mesma cidade, Audubon, passa a se interessar por pimtura e pelo consequente registro de temas naturais, como as aves. Casa-se com Lucy Bakewell, que lhe deu dois filhos e, algum tempo depois, muda-se para o Kentucky, local no qual, por influência do pai, dedica-se aos negócios. A vida de comerciante, porém, não é bem sucedida e, em vista disso, Audubon decide investir em outro projeto que futuramente (tanto pessoal quanto financeiramente) o gratificaria mais: o de desenhar "todas" as aves da América do Norte.


Enquanto sua mulher sustentava a família como professora, Audubon, então com 35 anos, partia para realizar seu sonho. Com o passar de alguns anos, conseguiu fazer o registro de 435 aves, no total, sendo 167 deles na Louisiana (local, inclusive, que costumava dizer que nasceu, como uma forma, supõe-se, de mascarar sua verdadeira origem). De posse das ilustrações, em 1826, sai em busca de alguma editora que porventura quisesse publicar seu trabalho, o que só conseguiu encontrar na Europa. Ao contrário do que aconteceu nos EUA, Audubon foi rapidamente reconhecido como um grande ilustrador, conseguindo, finalmente, tornar realidade o seu grande trabalho, o The Birds of America.


A partir de 1827, o ornitólogo ilustrador consegue iniciar a publicação de suas pranchas através de impressão litográfica, em uma série dividida em 87 partes. Esse processo, durou até 1838. Bem antes disso, no entanto, graças ao sucesso alcançado no Reino Unido, Audubon decide retornar aos EUA com o objetivo de conseguir mais compradores para seu trabalho. Resolve, então, popularizar sua obra publicando uma versão fisicamente menor e mais barata de The Birds of America, o que possibilitou seu acesso à classe média e, consequentemente, que as 1.200 cópias iniciais da tiragem fossem vendidas rapidamente. 


Audubon, além de desenhar as espécies, era também o autor dos textos de suas publicações, por isso é tido como uma figura importante no mundo da ornitologia, da biologia e das ciências naturais, fato que incentivou a criação de uma importante instituição de preservação ambiental que leva seu nome nos Estados Unidos, a National Audubon Society, em 1905. O artista ainda dedicou esforços em mais dois outros trabalhos artístico-científicos de perfil naturalista: o Ornithological Biography e o The Quadrupeds of North America, este que só viria a ser lançado após sua morte, em 1851, graças ao empenho de seus filhos. 


Abaixo, os livros publicados com seu trabalho:  


The Birds of America
Edimburgo, 1827-1838
Textos por John James Audubon
Ornithological Biography - I e II
Edimburgo, 1831-1839 
Textos por William MacGillivray 
Quadrupeds of North America 
New York, 1845-1849
Textos por Rev. John Bachman


Biografias e referências: 


• Wikipedia - biografia 
• 64 Parishes - John James Audubon - biografia 
• 64 Parishes - vídeo biográfico 
• A Detailed Look at the Watercolors for The Birds of America 
• National Audubon Society 
• Audubon’s Creative Process 
• What is "The Birds of America"? 
• Audubon Galleries 
• Audubon Art 




Audubon, a despeito de sua importância para as ciências naturais e para a área artística, não era o que podia se chamar de um grande sujeito. 


1 - Porque para desenhar as aves de que tanto gostava, ele primeiro as matava. A fotografia foi inventada somente em 1826, época em que Audubon começou a procurar por editoras nos EUA para imprimir sua obra (a essa altura já tinha quase todas as pranchas prontas), portanto matar seus pássaros era uma das formas possíveis de tè-los presentes no momento de seu registro artístico. Não à toa, em alguns retratos (pinturas) seus, ele aparece com a espingarda em punho e vestido como desbravador americano, que segundo as fontes, era a maneira como ele se apresentava nos salões na Europa. 
2 - O artista foi acusado de falsificação, sugerindo espécies de aves que nunca existiram, além de plágio, desconsideração sobre créditos de outrem em seu trabalho e citação de informações falsas sobre si mesmo.
3 - Ele era um anti-abolicionista. Sim, Audubon era escravagista, fato que o levou a traficar algumas pessoas (seus próprios escravos) para conseguir mais verba para suas viagens à procura de pássaros. A escravidão nos EUA, salvo para os casos de presidiários, só foi abolida em 1865, ou seja, 14 anos após seu falecimento. Para as pessoas da época, suponho eu, que não conseguiam pensar à frente de seu tempo, provavelmente enxergavam a escravidão como algo natural ou, pelo menos, plausível (mais ou menos como acontecia aqui no Brasil).


Então, por mais difícil que seja, é importante tentar fazer esse distanciamento entre o Audubon escravocrata e o Audubon artista e lembrar que, apesar dessas manchas todas em sua vida, John James deixou um legado importante para as ciências naturais, tanto que além de receber homenagens em New Orleans com o Audubon Park, o Audubon Zoo e o Audubon Aquarium of the Americas, com todos levando seu sobrenome, recebeu homenagens similares em mais uns outros 30 locais pelos Estados Unidos e, não à toa, há um sem número de websites abordando sobre ele e sua vida, além de outros vendendo e dando detalhes sobre seus trabalhos. 


• • •


Em relação ao tamanho das pranchas que Audubon usava, ao que parece, seria algo aproximado ao "double elephant": 26,7 inc x 40 inc (mais ou menos 67,8 cm x 101,6 cm). Pelas fotos dos registros de pessoas ao lado de seus trabalhos, dá para se perceber que eram pranchas grandes. Similares a essas eram também as pranchas dos trabalhos de outro grande ilustrador ligado à ornitologia: o canadense Fenwick Lansdowne. Em RareBirdsOfChina.com há uma informação sobre o tipo e as dimensões dos papéis utilizados por este para as pinturas do livro homônimo: papel Fabriano, 63,5 cm x 81,3 cm, mas segundo pesquisei, as dimensões de suas pranchas variavam. Audubon usava um papel texturizado chamado wove paper, mas não tenho informação se usava algum outro tipo. 


Aquarela era a técnica de pintura predominante dos dois, contudo, Audubon também se valia de carvão, lápis, pastel e até colagem. Era um experimentador. Seus assistentes, segundo relatos, ajudavam-no a completar parte de seu trabalho. Vale ressaltar que Audubon também usava tinta a óleo, o que lhe permitiu angariar mais fundos pintando retratos enquanto fazia suas viagens ornitológicas pelos rios e pelas terras do Tio Sam. 


Os dois James ilustravam basicamente sobre o mesmo tema, pássaros, e, por este fato, um é, por vezes, comparado ao outro. A despeito da semelhança em seus trabalhos, porém, estes artistas possuíam "pegadas" diferentes: enquanto que Lansdowne primava pela perfeição e realismo, colocando suas aves em poses mais naturais, Audubon impunha um toque mais artístico à composição, com os pássaros em poses menos reais e com cores mais vibrantes. Importante lembrar que John James pintava seus pássaros em tamanho real, por isso, também, alguns deles eram retratados em poses "estranhas", meio contorcidas, pois só assim poderiam caber na folha de papel. 


Lansdowne, no que diz respeito ao método de coleta de amostras, pintava a partir de observações na natureza e também de espécimes empalhados (taxidermizados) vindos de museus. Aparentemente, algo mais "humano" que o método de Audubon, com o porém que estes animais, antes, tinham que ser mortos do mesmo jeito (apenas, isto não era feito por ele). 


E para fechar o raciocínio, eu lembro, em um dos episódios de uma antiga (e maravilhosa) série de TV chamada Mundo Animal, o relato sobre um ilustrador naturalista que pintava aves que ele mesmo caçava. Segundo o narrador, este artista abatia os pássaros para "lhes dar vida no papel depois" (uma lógica que eu nunca consegui engolir). À época eu era muito novo, então, não sei dizer se se tratava de algum ilustrador que eu não conhecia ou se seria o próprio Audubon em uma reconstituição de sua vida. Lansdowne tinha problemas motores e andava de muletas, então não acredito que tivesse a capacidade física para se embrenhar pelo mato e ficar atirando, como fazia seu antecessor. Nenhum registro biográfico, que eu li, inclusive, menciona algo a respeito. Mas, já que agora estamos falando em Lansdowne... vamos a ele. 



James Fenwick Lansdowne



James Fenwick Lansdowne nasceu em Hong Kong, China, em 1937, mas era filho de pais ingleses e cresceu no Canadá (em Victoria - British Columbia), tendo aprendido pintura com sua mãe (que pintava pássaros em cerâmica) e se desenvolvido no decorrer de sua vida de forma autodidata. Lansdowne teve poliomielite aos 11 meses de idade, o que lhe impôs dificuldade de andar e problemas de mobilidade no braço direito, fatores que o levaram a executar seus desenhos e pinturas com o outro membro. 


Suas primeiras exposições foram em seu próprio país (Canadá), acontecendo a primeira delas quando tinha apenas 14 anos, em 1952. Sua primeira exposição internacional foi em New York na sede da já mencionada National Audubon Society. 


J. F. Lansdowne ilustrou, ao todo, oito livros (que estão listados abaixo). São todos livros de pássaros, que incluem os nomes genéricos, os nomes científicos e informações sobre os hábitos e geografia de cada espécie. Pelo que percebi, todos lançados em um estágio do artista já com uma técnica extremamente apurada. A observação de pássaros, que, como comentado acima, era um dos métodos de Fenwick para perceber suas características físicas, foi o método que utilizou para ilustrar seu último livro, o The Rare Birds of China. O artista passou uns 10 anos no país observando-os na natureza, em zoológicos e em museus. Foram produzidos, ao total, 32 desenhos. 


Suas obras, atualmente, estão mantidas em locais diversos como o Royal Ontario Museum (no  Canadá), Museu de Belas Artes de Montreal (Canadá), e na coleção da Princesa Real e do Duque de Edimburgo (Reino Unido), dentre outros e, assim como Audubon, foi agraciado com reconhecimentos oficiais como a nomeação para Oficial da Ordem do Canadá, em 1977, além da Ordem da Colúmbia Britânica em 1995 e o Master Artist Award (do Leigh Yawkey Art Museum). 


Fenwick Lansdowne faleceu em julho de 2008, aos 71 anos, deixando um importante registro para a ornitologia e, sobretudo para a arte naturalista mundial. 


Dados e fatos sobre Lansdowne: 


• Nascimento: 08/08/1937 (China) 
• 1ª exposição: Royal Ontario Museum - 1956 
• 1ª exposição internacional: Nova York, em 1958 (sede da National Audubon Society) 
• 1º livro publicado: Birds of the Northern Forest (1966) com textos de John A. Livingston 
• Eleito membro da Royal Canadian Academy of Arts - 1974 
• Nomeado como Oficial da Ordem do Canadá - 1976 
• Convidado a ilustrar o livro The Rare Birds of China - 1984 
• Condecorado com a Ordem da Colúmbia Britânica - 1995 
• Falecimento: 27/07/2008 (Canadá) 
• Em 2014, seu filho Tristram Lansdowne lança livro com sua biografia, relatos de amigos e uma seleção de suas pinturas intitulado apenas de "J. Fenwick Lansdowne" 


Abaixo, os livros publicados com seu trabalho: 


Birds of the Northern Forest
1966 
Textos por John A. Livingston
Birds of the Eastern Forest, Vol. I
1968 
Textos por John A. Livingston 
Birds of the Eastern Forest, Vol. II
1970 
Textos por John A. Livingston 

  
Birds of the West Coast, Vol. I
1976
Textos por J. F. Lansdowne
Rails of the World
1977  
Textos por S. Dillon Ripley
Guide to the Behavior of Common Birds
1980 
Textos por Donald Stokes 
   
Birds of the West Coast, Vol. II
1982 
Textos por J. F. Lansdowne
The Rare Birds of China
1998 
Textos por S. Dillon Ripley, Professor Hsu Weishu e Michael P. Walters
J. Fenwick Lansdowne
2014 
Livro biográfico póstumo editado por Tristram Lansdowne (seu filho), que inclui, 7 ensaios e 160 ilustrações. 

Biografias e referências: 


• Wikipedia 
• Foreword Reviews 
• Wikidata.de 
• 81 Portraits of Fenwick Lansdowne 
• ABC Book Word 
• BC Book Look 
• CBC News 




 James Audubon e James Lansdowne chegaram para mim da mesma maneira (através das páginas da "Seleções"), mais ou menos na mesma época e me impressionando quase que da mesma forma. Quase porque havia um porém entre os dois: as ilustrações de Lansdowne tinham um esmero técnico muito superior às de Audubon, sendo inevitável, portanto, se fazer comparações.


O trabalho de Audubon era muito bom, mas eu achava os pássaros de Lansdowne tão incríveis, tão impressionantes, que ainda garoto tentava copiar todas aquelas ilustrações na aquarela, no guache, no óleo ou no que estivesse disponível. Naquela época, minha ingenuidade na pintura me fazia pensar que eu poderia conseguir os mesmos resultados utilizando qualquer técnica, o que forçou a me desempenhar relativamente bem em todas elas - mais ou menos como naquela história em que você consegue superar os limites por não saber que eles existiam. 


Só que o limite para se chegar à técnica de Lansdowne era o mesmo dos pássaros que pintava: o céu. Minhas pinturas ficavam legais, só que mesmo também sendo de pássaros, não chegavam tão alto. Lansdowne, em minha opinião pessoal e para o seu tipo de arte, não foi apenas muito bom. Foi, simplesmente, o melhor. 


Nota: 
Os livros destes artistas, hoje, não são mais publicados, assim, só é possível encontrá-los em sebos pela internet. Normalmente, são compras internacionais, com variações de capa (pois foram produzidos em diferentes edições) e em que não é possível se ter uma noção precisa sobre sua conservação. O The Birds of America, de Audubon, já foi tido, inclusive, como o livro mais caro do mundo, mas versões menores, de edições mais recentes, ainda podem ser encontradas. Para quem é amante desse gênero de arte, vale a pena pesquisar. 





Abaixo, imagens dos trabalhos de Audubon e Lansdwone. 


 


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Audubon


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne


Lansdowne

Artigo biográfico sobre dois grandes mestres da pintura ornitológica da américa do norte.

http://www.visuarea.com.br/artigos/audubon-e-lansdowne-os-passaros-dos-dois-james
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