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Atomé - o desenhista e humorista de Santa Comba

por João Taboada02/04/20241

Santa Comba é uma cidade localizada na comunidade autônoma da Galiza (também conhecida como Galícia), na Espanha. A despeito de possuir uma extensão de 203 mil km², aproximadamente, não é muito povoada. Seus pouco mais de 10 mil moradores lhe conferem uma densidade populacional de uns 52 hab/km² (apenas para efeito de comparação, Salvador-Ba [que é onde moro], tem menos de 3 vezes sua extensão [uns 700 mil km²] e mais de 2 milhões de habitantes, o que lhe confere uma consequente densidade de mais de 3 mil hab/km²).


Pois bem, há alguns meses, ganhei um livro de presente de meus parentes da Espanha intitulado "ATOMÉ - O debuxante e humorista de Santa Comba". Este livro foi trazido por minha irmã Cristiana em mais uma de suas infinitas viagens pelo planeta e é todo escrito em galego (língua, obviamente, falada na Galícia) e trata da vida de um chargista e caricaturista espanhol até então desconhecido para mim, denominado Atomé. 


Atomé, cujo nome de batismo era Antonio Tomé Taboada, nasceu em Santa Comba, em 1914, de pai médico e do qual herdou a profissão. Sim, o chargista era médico. Se formou na atividade pela Facultade de Medicina de Santiago de Compostela e exerceu a profissão durante toda a vida, tendo nela não apenas um meio de ganhar dinheiro, mas uma vocação - que lhe permitia ajudar todas as pessoas que porventura precisassem de seus serviços (inclusive, por vezes, atendendo pacientes mais pobres gratuitamente). 



1 - Dr. Antonio Tomé Taboada, 2 - Atomé por Xosé Gómez Rubio, 3 - Atomé por ele mesmo, pouco antes de seu falecimento.


Mas mesmo tendo como ocupação principal a medicina, o Dr. Atonio Tomé Taboada tinha na atividade artística sua segunda grande vocação. Como sugere a época de registro de alguns trabalhos seus, seu entrosamento com esta atividade iniciou-se antes mesmo de sua formação acadêmica e conforme ele mesmo esclareceu em uma entrevista de 1965 ao lhe perguntarem sobre quando havia começado:
- Desde siempre. Pero hasta hace poco tiempo, no me he decidido a presentarla ao público. 


Assim, Atomé era um artista nato, inclinado muito mais para a arte gráfica humorista como a charge e a caricatura - ainda que pintasse naturalmente temas mais realistas em aquarela e também escrevesse os textos bem-humorados (conhecidos por lá como "paroladas", algo como conversas ou tagarelices em tradução livre) que acompanhavam suas charges. Às vezes, esses textos eram maiores, como crônicas, e eram acompanhados de um desenho que ilustrava a ideia principal.


Segundo o livro "ATOMÉ - O debuxante e humorista de Santa Comba", sua primeira exposição individual que se tem notícia foi em uma vitrine de loja em 1935, então com, aproximadamente, 21 anos. Tratava-se de uma "coletânea" de suas primeiras caricaturas e que tinham como modelo seus colegas e professores da universidade ("Me pedían que les hiciesse caricaturas, y a mí no me costaba ningún trabajo complacerlos"). As mais antigas que ainda existem, porém - pois muito de seu trabalho com o tempo foi perdido -, "retratava" seus vizinhos Florentino del Rio e Julia Negreira e datam de quando tinha apenas 19 anos, e estão mostradas logo abaixo. 



1 - Florentino del Río, 2 - Julia Negreira (as caricaturas mais antigas elaboradas por Atomé ainda existentes)


Naquela época ainda assinava apenas com seu primeiro sobrenome (que lá eles chamam de apelidoTomé, mas durante algum tempo variou sua assinatura entre Tomé e A. Tomé (desta forma mesmo, com as grafias separadas) até que um dia, quando de uma publicação duma caricatura de sua autoria no jornal El Ideal Gallego, seu nome apareceu escrito errado: Atomé. A partir desse instante, o próprio artista definiu como seria sua denominação de ali para diante. Passou a assinar Atomé em todos os trabalhos posteriores graças a esta "gafe" tão oportuna cometida pelo jornal. El Ideal Gallego, aliás, foi o impresso para o qual mais colaborou, mesmo tendo passado também por outros como El Correo Gallego e La Noche (além de revistas como Chan e Medicina Rural), e o que mais lhe rendeu popularidade pelo fato de este ser, dentre eles, o de maior difusão. 


O trabalho de Atomé, era baseado, em geral, em temas sociais e do cotidiano. Pelo que percebi, o assunto "política" não era seu tema central. Talvez, por isso, suas criações não tenham sido censuradas durante o período do governo Franquista, que durou de 1969 a 1975 (pelo menos, o livro não explicita isso). Mas outros chargistas/desenhistas como Castelao e Ribas foram obrigados a se retirar da Espanha para não correrem o risco de serem presos e, outros, coagidos a moldar seu trabalho para estar em conformidade com o perfil da ditadura do general Francisco Franco. 


Suas influências mais evidentes vinham de Alfonso Castelao e Álvaro Cebreiro, passando também por Pablo Picasso (pelo que dá para perceber em seus desenhos mais antigos) e não impediram que, com o passar do tempo, o santacombense desenvolvesse um traço mais pessoal. Atomé primava por "rasgos" fisionômicos mais simples, com narizes mais acentuados e com as pessoas utilizando chapéus, boinas e lenços de cabeça (provavelmente, um costume da época). Sua técnica de representação principal era em alto contraste, provavelmemente utilizando-se de algum meio mais adequado para isso como o nanquim. 


O desenhista tinha, também, uma visão mais "humanizada" sobre como seu trabalho deveria ser percebido pelo público: independentemente do tema, se preocupava em não ofender, em não ser grosseiro, tanto no traço das caricaturas quanto nas temáticas abordadas nas charges. 
- Me gusta el humorismo discreto. Odio el que produce la carcajada, porque busco solamente la sonrisa. ¿Temas? No sé. Desde luego me interesan todos los relacionados con Galicia e sus gentes. 


Atomé trabalhou sua vida inteira como médico ao mesmo tempo em que se dividia entre esta atividade e a de artista, escrevendo suas crônicas (as "paroladas") e, principalmente, ocupando-se na criação de charges e caricaturas para contagiar com seu bom humor os leitores de jornais e revistas da Galiza. Seu passamento se deu em 1974 (então, com 60 anos) em sua mesma cidade natal. Em 2 de abril de 1975, a Corporação de Santa Comba decide homenageá-lo batizando uma das ruas da vila em que morava com seu nome e em 2000 a Comarca do Xallas lança o livro biográfico em reconhecimento ao seu grande trabalho artístico e social. 



Nota 1:
O livro "ATOMÉ - O debuxante e humorista de Santa Comba" foi publicado 26 anos após o falecimento do artista pela Associación Cultural Comarca do Xallas e teve como organizador Clodio González Pérez, seu amigo, além da colaboração de mais de 30 pessoas e empresas e coincidiu com a comemoração de 50 anos da morte de Alfonso Castelao, tido como mestre por Atomé. 


Nota 2: 
A língua galega, grosso modo, é uma mistura de português com espanhol - algo que poderíamos chamar por aqui de "portunhol" (mas com algumas palavras alteradas) - e, para nós brasileiros, é relativamente fácil de se entender. Atomé costumava dar suas entrevistas em espanhol, porém não abria mão do galego em suas charges. Para ele: "Hay quien politiza toda esta cuestión y cree que hablar gallego és separatismo. Realmente está muy equivocado quien así pensa: yo hablo gallego a diario y me siento tan español, tan castellano, como el que más. 


Nota 3: 
Ao folhear o livro, percebi na foto de Atomé uma impressionante semelhança entre ele e meu pai (Manuel Taboada). Não à toa, o nome de seus pais era o mesmo: Maria Luisa Taboada e Antonio Tomé Rey. E, também não à toa, meu nome completo engloba todos os nomes de Atomé. Atomé era meu tio. Meu pai faleceu em 1975 (tendo nascido em 1924, 10 anos após Atomé) quando eu ainda tinha uns 7 anos e, de lá para cá, nunca tinha pesquisado sobre meus parentes da Espanha. Displicência total a minha. Neste artigo ficam registrados meu mea culpa e minha homenagem ao grande chargista espanhol, cujo talento artístico meu pai também tinha e que eu, de certa forma, também herdei. 


 


REFERÊNCIAS:
• ATOMÉ - O debuxante e humorista de Santa Comba (Edición de Clodio González Pérez) - Santa Comba, ano 2000. Asociación Cultural "Comarca do Xallas" 
• Santa Comba 
• Galiza 
• Alfonso Castelao 
• Álvaro Cebreiro 
• Ditadura Franquista 


• Fotos da localidade (Santa Comba): Cristiana Taboada

Confira abaixo alguns trabalhos e fotos relacionados ao artista: 


Capa do livro biográfico de Atomé


Ilustração por Xosé Gómez Rubio para o livro


Uma das casas onde Atomé morou em Santa Comba


Rua com o nome de Atomé - Homenagem póstuma


Caricatura


Caricatura


Desenho artístico


Ilustração artística


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge


Charge

Artigo biográfico sobre o desenhista e chargista espanhol

http://www.visuarea.com.br/artigos/atome-o-desenhista-e-humorista-de-santa-comba
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Palavras chave: ATOMÉ, Tomé, Antonio Tomé Taboada, O debuxante e humorista de Santa Comba



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1 | 03/04/2024 |  Cristiana
Maravilha, parabéns pelo texto!