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Affordance, acessibilidade e as maçanetas redondas

por João Taboada27/11/20140

Affordance: expressão que vem do verbo inglês "afford" (proporcionar, permitir), sendo seu significado sugerido em português algo como "Adequação, Reciprocidade, Funcionalidade". Segundo conceito da Wikipédia "é a qualidade de um objeto, ou de um ambiente, que permite que um indivíduo realize uma ação". Para Affordance existem diversas definições, mas uma das mais interessantes que eu vi é que é "a capacidade de um objeto para sugerir seu próprio uso". Ou ainda, é a qualidade de um objeto, ou de um ambiente, que sugere que um indivíduo realize uma ação específica em relação a ele.
Vivenciamos affordances diariamente, quando abrimos uma porta, apertamos o botão do elevador, giramos a torneira da pia, utilizamos o abridor de garrafas, seguramos no corrimão da escada, etc. São várias as situações em que as experimentamos, porém, muitas vezes (senão quase todas), não nos apercebemos disto. Mas percebemos quando determinados objetos são mais fáceis de se utilizar ou até, quando eles têm uma sugestão de uso mais lógica. Conseguimos entender facilmente como uma luva se encaixa na mão pelo fato de ela ter exatamente a forma de uma mão. Porém, nem sempre entendemos as torneiras automáticas dos shopping centers, visto que elas não sugerem uma maneira óbvia de uso e (absolutamente todas) são sempre diferentes para cada shopping que se vá. Affordance, na verdade, é um assunto muito mais profundo do que o abordado aqui.

Acessibilidade: segundo a Wikipédia, acessibilidade é a possibilidade de acesso a um lugar ou conjunto de lugares. Ou, uma qualidade de um ambiente ou recurso que permite a todas as pessoas, independente de suas restrições físicas, aceder a algo, sem barreiras e de forma similar. Dizemos que existe acessibilidade quando uma pessoa com deficiência motora consegue entrar em um elevador, sem constrangimentos, ou que uma pessoa pequena consegue ligar um interruptor sem precisar se esticar para alcançá-lo. Acessibilidade também diz respeito ao acesso à informação, como quando pessoas com mais de 40 anos conseguem ler textos em uma revista sem dificuldade ou quando um deficiente visual consegue navegar por um site qualquer e ter acesso a seu conteúdo. A acessibilidade se tornou um assunto obrigatório quando se fala em urbanismo, e, porque não dizer, um termo da moda em várias situações. Algumas cidades, hoje, já possuem ambientes com recursos (rampas de acesso, por exemplo) que permitem às pessoas que não se enquadram dentro dos "padrões normais" poderem se locomover com facilidade maior, seja nas calçadas, nos estabelecimentos públicos, nos estacionamentos, etc. Existem até programas de computador que possibilitam aos deficientes visuais "ler" o conteúdo de um site apenas ouvindo. Lógico, nem tudo ainda é perfeito (e vai demorar a ser), mas, já é um começo.

Affordance e Acessibilidade estão intimamente relacionadas. É natural que, quando olhemos para uma rampa, imaginemos que ela ofereça mais facilidade de se subir ou descer com uma cadeira de rodas do que uma escada. Quando olhamos para uma garrafa mais ergonômica, como a de um refrigerante, podemos supor onde é a parte ideal para que a seguremos com firmeza. O mesmo acontece com as maçanetas de porta. Maçanetas de alavanca sugerem ser mais fáceis de se utilizar do que as maçanetas redondas e isto acontece de fato. Maçanetas de haste/alavanca funcionam apenas com um toque, sem necessariamente ser preciso segurá-las. As redondas precisam ser seguradas e, em algumas situações, de maneira bem firme. Curioso é que os artigos que encontrei sobre Affordance, na internet, sempre comentam a respeito das maçanetas redondas. As observações sobre elas dizem que "quando olhamos para uma maçaneta redonda, ela nos convida a girá-la". Melhor seria se disséssemos: "quando olhamos para uma maçaneta redonda, ela nos sugere que a única maneira de utilizá-la seria girando-a", ou seja, ela não nos convida de fato, mas sugere uma ação específica, que pode, inclusive, não ser a que gostaríamos ou teríamos facilidade de executar.
Aliás, antes que eu pareça estar cometendo uma heresia no mundo do Design, é bom deixar claro que, desde pequeno, eu não tenho nenhum apreço por maçanetas redondas, mas não por uma questão de gosto estético, e sim por questões de usabilidade mesmo. Sempre questionei porque eu deveria fazer mais esforço para abrir uma porta ou torneira, se com outro tipo de maçaneta poderia ser mais fácil. Então, eu imagino que os objetos ou utensílios do nosso dia-a-dia deveriam sempre permitir uma utilização mais fácil e prática ao invés de, simplesmente, comporem ambiente ou "encherem nossos olhos".

Lembro de dois fatos que se relacionam com este tema: um deles era quando estudava na Faculdade (EBA - UFBA) e meus colegas mais novos ficavam fascinados pelo trabalho do surfista e designer americano David Carson. Era comum ver trabalhos - sem nenhuma usabilidade - de alunos inspirados no Designer onde os textos e as figuras ficavam de cabeça para baixo, e sem que houvesse uma explicação lógica para aquilo além do manjado "é pra chamar a atenção". Pessoas com pouco conhecimento quebrando todas as regras: que perigo, hein?
Outro, foi um caso verídico de salvamento de um homem pelo seu cachorro de estimação, nos Estados Unidos. Este homem tinha sofrido um ataque cardíaco em casa, e, tendo o cachorro percebido que ele não estava bem, desceu as escadas correndo e pulou em cima da maçaneta da porta. A porta se abriu e ele latiu continuamente até chamar atenção dos vizinhos e conseguir salvar seu dono. Belo trabalho do melhor amigo. Numa situação como essa, dá para supor que, para sorte do dono, a maçaneta da porta não era redonda.

Para fazer um breve histórico, as maçanetas redondas surgiram em meados do século XIX nos EUA, sendo, portanto, coisas relativamente recentes (imaginava até que fossem mais antigas), mas como o mecanismo de abrir e fechar de uma maçaneta não tinha sido inventado até então, a humanidade se virava com chaves e puxadores de porta. Segundo eu pesquisei, o primeiro a patenteá-las foi um negro americano chamado Osbourn Dorsey, em 1878 e, desde então, as maçanetas alcançaram o Mundo e evoluíram bastante em sua mecânica e em seu design. A sociedade americana, inclusive, valoriza muito mais as maçanetas redondas (door knobs) do que as maçanetas de alavanca (door handles), a despeito de sua praticidade, lembrando que, existem modelos de alavanca com estética comparável aos modelos redondos, como a gente pode ver neste link. Há um princípio em Design conhecido como "Efeito estético x Usabilidade" que afirma justamente que, trabalhos com design mais bonito criam uma empatia melhor com o usuário e sugerem, assim, uma facilidade maior em seu uso. Mas, independente disto, as maçanetas redondas, pra mim, simbolizam uma visão de que a venda é mais importante que o uso do produto (as fábricas de maçanetas redondas não vão "curtir" nem um pouco este artigo). Portanto, faz-se bonito pra vender o produto, mas sua usabilidade acaba ficando em segundo plano.

Enfim, por estas coisas, acho importante se fazer um paralelo e questionar a partir de que ponto entra o nosso papel de designers funcionais e em que ponto nós teríamos o direito de negar este papel. Eu percebo que uma parte dos designers valoriza muito o caráter estético de seus trabalhos, sejam eles trabalhos bidimensionais (Programação Visual - anúncios, cartazes, placas de sinalização, sites, etc) ou tridimensionais (Projeto de Produto - maçanetas, embalagens, utensílios de cozinha, garrafas, etc). É óbvio, que, em termos de portfólio, o apelo estético tem grande peso. Todas as pessoas, quando olham para um trabalho de Design, valorizam muito a estética e a inovação. Mas ninguém avalia (nem numa entrevista de emprego) a funcionalidade deste trabalho, até porque, esta é uma característica que percebemos melhor quando passamos a utilizar o material. Sou a favor da ideia de que, em um trabalho de Design, a funcionalidade não deve ser suplantada pela estética. Exemplo: diminuir muito o texto de um anúncio para dar espaço às imagens. Se o texto está lá, é para ser lido, não é mesmo? Então, talvez não seja ideal fazer um anúncio tão bonito que crie uma dificuldade na leitura.

É claro que existem pesos e medidas variados, mas, acredito que, acima de tudo, devemos pensar e ter um respeito pelos que vão utilizar nosso trabalho de Design. Se entendemos Design como projeto e não apenas como esmero estético, devemos então pensar na acessibilidade à informação e na facilidade de uso do que nós projetamos. É complicado se fazer uma bula de remédio com corpo 7 para um usuário de 70 anos. Da mesma forma, brinquedos pontiagudos para crianças muito novas. Ou ainda, se colocar num apartamento maçanetas redondas para uma pessoa idosa, com deficiência física ou pouca força nos membros superiores. Na verdade, as maçanetas redondas são um argumento e um exemplo do nosso dia-a-dia para dizer que o nosso design não pode ter apenas a função de portfólio, mas, acima de tudo, servir a seus usuários e tentar cumprir seus papéis - não apenas o comercial, mas o funcional e o social também.



Links relacionados:


Affordances:
Wikipedia
Homem Máquina
Dissertação José Carlos Broch


Acessibilidade:
Wikipedia
Novo Ser
Ambiente Brasil


Maçanetas:
Wikipedia
Wikipedia - inglês
E-hardware - inglês


http://www.google.com - Vá pesquisar!

Uma reflexão sobre se o valor estético é realmente a melhor opção em todas as situações

http://www.visuarea.com.br/artigos/affordance-acessibilidade-e-as-macanetas-redondas
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Palavras chave: affordance, affordance em design, acessibilidade em design, adequacao em design, design e macanetas



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